Sobre o ritmo ideal para se correr uma maratona
Em qual ritmo devo correr uma maratona? A pergunta soa como
mantra diante da proximidade dos eventos principais do circuito. Meus alunos
perguntam em coro: “que ritmo?”, “que ritmo?”, “que ritmo?”, assim como os
Sadhus indianos dizem “om”, “om”, “om”.
E eu respondo, Namaste!
Falando sério: O ritmo de maratona deve ser ligeiramente
mais lento do que o ritmo de meia, bem mais lento do que o ritmo de 10K, e
muito mais lento do que o ritmo de 5K.
Dito isso, resta mais uma vez a pergunta: Como isso se
traduz em tempo?
Meu caro e ansioso leitor, nem mesmo o google translator é
capaz de tal façanha. Em mais de 20 anos de experiência como atleta e
treinador, já vi tabelas, calculadoras de ritmo, testes de lactato que indicam
velocidade de corrida, teste de VO2 máximo na ergoespirometria, premonições do
além, jogo de búzios...
Importa lembrar que são tantas as variáveis a serem
controladas que determinar o ritmo exato para a condição específica do dia em
que você correrá uma maratona é algo muito
particular. Coisa pra vidente. É claro que sou e sempre serei a favor de uma
estratégia para a corrida. O que não podemos ter é somente um plano. Ter planos
A, B, C, D... ou quantos forem, ajuda a tranquilizar o corredor e a administrar
o seu nível de expectativa. Basta lembrar dos encontros, das festas, das
viagens, etc, que você planejou. Quantas saíram da forma que você quis?
Quantas?
Mais uma vez, ao me perguntarem “que ritmo?”, “que ritmo?”,
“que ritmo?”, respondo com um sorriso ascético: “Namaste!”. Claro, digo “namaste”
para aqueles que treinaram, cumpriram o cronograma, se planejaram e rascunharam
suas metas e planos A, B, C... W.
O treinamento deveria ser o termômetro do seu nível
de expectativa. Se você treinou num ritmo que totalizava um tempo X, não espere
fazer X – 1 seg. no dia da prova.
Você até poderá fazer X – 1 em algumas parciais e por um
período da prova, mas saiba que em algum momento “a conta” irá chegar; e a
conta chega com pagamento à vista. E quando chegar, aí não tem mais jeito.
Das provas de 800m até maratona, todos os recordes mundiais
foram quebrados com split negativo (a segunda metade sendo mais rápida do que a
primeira). O queniano Dennis Kimetto acaba de bater o recorde mundial de
maratona, com o tempo de 2h2m57s. Como era de se esperar, Kimetto fez os
primeiros 10K em ritmo mais lento e concluiu a
segunda meia maratona em menos tempo do que a primeira. Split negativo,
portanto.
Já escutei de alguns corredores algo como, “ah, e seu eu
começar um pouco mais forte e tiver uma gordura pra queimar lá na frente?!”.
Ainda que eu aprecie o entusiasmo desses alunos e corredores, alguns deles
churrasqueiros inveterados, na verdade, a prática e a experiência nos ensinam
que não só a tal gordura será queimada mas sim a carne toda! Ou seja, essa estratégia
não funciona. Não funciona porque ao correr mais rápido no início, você estará
mais próximo do seu limiar anaeróbio. Nessa velocidade de corrida, a principal
fonte de energia utilizada é o glicogênio muscular, e a reserva desse
glicogênio é limitada. Se ele acabar, acabou. Seu ritmo não irá cair, e sim
despencar. O gel usado durante a prova, servirá para manutenção da sua glicose,
e portanto contribui pouco ou quase nada na reposição do glicogênio muscular.
Comece um pouco mais lento e vá crescendo na prova.
Converse com seu treinador para traçar os planos de prova, os planos A, B, C...
E treine! E descanse! E jogue o jogo de búzios, e faça o exame de
ergoespirometria, e veja vídeos dos seus ídolos, e jogue tarô, e tome passe, e
reze ave-maria..
...contudo, lembre-se que são nos treinos que aprendemos
cada dia mais sobre nosso corpo, nossas experiências; é quando desenvolvemos
autoconfiança e autoconhecimento; ė quando nos conhecemos melhor e aprendemos a
interpretar as variáveis externas que influenciam diretamente no nosso prazer
de participar e no nosso desempenho em uma prova.
Namaste!
Heleno Fortes.